Favela na área – futebol, rap, samba... e muita camisa vendida
Criado em abril de 2003 por um grupo de moradores do Parque Bristol, que às sextas-feiras gostava de se reunir para disputar um bom “rachão” (jogo de futebol informal, sem uniformes nem times fechados), o Esporte Clube Favela pode até não acumular tantos troféus, mas, curiosamente, vendeu milhares de camisas.
Em 7 anos, o número de peças vendidas (sem levar em conta os conjuntos de agasalhos e acessórios), chega ao invejado número de 3.836, o que dá uma média de 548 camisas por ano, ao preço médio de R$40,00 – façanha incomum em se tratando de um pequeno time de várzea, e não de uma loja de roupas.
De acordo com Maciel Mota de Almeida, o Terno, 33 anos, integrante do grupo de rap Pânico Brutal (grande apoiador da fundação do time) e presidente do Favela, como é chamada a equipe, o sucesso na venda das camisas se deve a vários fatores e o primeiro deles tem a ver com a questão estética pois são camisas bonitas, de boa qualidade, estrategicamente pensadas para agradar ao público periférico.
A escolha dos modelos não é feita aleatoriamente: todos os membros do time e até mesmo da torcida participam da sua criação, opinando sobre a disposição das cores (preto, laranja e branco), qual o melhor tecido, o mascote da vez, etc. A escolha do símbolo, por exemplo – bem simples, para que qualquer um possa reproduzi-lo – e o lema do time (futebol, rap e samba), também é obra coletiva. E nem é por acaso também que o time se chama Favela, já que todos os seus jogadores moram no complexo de favelas que compõem a geografia do Parque Bristol e arredores.
O segundo grande motivo para que tantas pessoas, literalmente, vistam a camisa do Favela, ainda segundo seu presidente, é o fato de a equipe ser bem vista pela torcida e pelas outras pessoas em geral. Isso porque, afirma Terno, o elenco é simpático, o time tem uma política interna pacificadora e joga bem, apesar de viver tempos de “vacas magras, de vez em quando” – o que não parece ser o caso atual: até o agosto, o time havia perdido apenas 5 dos cerca 20 jogos disputados em 2010.
Em 2004, no aniversário de um ano do time, durante a grande festa que se fez, um segundo modelo de uniforme foi lançado, junto com as novas camisas de torcida. Com esse novo modelo, o time atingiu a marca de mil camisas vendidas e a marca “Favela” – que por enquanto não tem registro oficial – começou a se espalhar não apenas no bairro, mas também em outras cidades, Estados e até outros países, como Itália, EUA e Uruguai.
Uma terceira e forte razão para a boa saída das vestimentas com o nome do time, parece ser o “detalhe solidário”, pois são vendidas a preço de custo. Não há lucro financeiro decorrente deste incipiente comércio. “o lucro vem em forma de marketing”, diz Terno. “Quem banca o time é a diretoria. Nem mensalidade nós cobramos. Quando precisamos de mais dinheiro do que diretoria pode bancar, fazemos bingo, rifas e excursões”.
O preço das camisas - R$40,00, valor ainda alto para os padrões da comunidade - deve-se à boa qualidade do produto, pois as roupas do favela costumam durar anos e, sob encomenda, ainda vêm personalizadas, com o nome do comprador impresso, ao gosto do freguês.
Pensando no público que não pode pagar por uma camisa deste preço, ainda que seja o de custo, em 2005 foi lançado uma nova leva, que mantinha as cores e procurava manter a qualidade da roupa, mas modificava o tipo de tecido – barateando os custos. De lá para cá, vários outros modelos foram lançados, todos com bastante aceitação, bastante sucesso. Para 2010 está previsto ainda o lançamento de um modelo infantil e outro, exclusivamente, feminino.
Mas se o preço, a simpatia dos jogadores e o fato de serem criadas intencionalmente para agradar a periferia, explicam o sucesso nas vendas, nada disso explica a coragem de tantas pessoas em usar uma vestimenta que as ligue à classe mais pobre, mais marginalizada e menos valorizada da nossa sociedade. Isso faz crer que talvez o motivo maior desse pequeno fenômeno de venda esteja relacionado ao orgulho de pertencer a uma classe, a um time de gente que, apesar de tudo, das péssimas condições de vida, encontra na auto-organização, no apoio mútuo, a força para prosseguir de domingo a domingo, jogo após jogo, em busca de vitória e melhores condições.
Unidos pela Força da Amizade – UFA!
“Ei, você aí!
Não adianta nem brigar
Que a UFA vai correr.
UFA!”
O grito de guerra sela o acordo e reforça, com humor, uma das características mais importantes e prezadas pelo time e pela torcida organizada do Esporte Clube Favela (a Unidos pela Força da Amizade – UFA): a união para o bem comum, a proibição de brigas e confusões de todo tipo, o colocar em jogo a paz, só para tê-la como troféu no final de cada jogo, regado a rap, samba, refrigerante e cerveja, para quem goste.
Nem todos os que querem podem pertencer à UFA e já havia sido assim com a primeira leva de camisas do time que foi vendida a poucos amigos e familiares, para evitar que o nome do time (que, devido à criminalização da pobreza e ao preconceito, já carrega um sentido pejorativo) pudesse ser identificado com a criminalidade e causasse problemas aos jogadores. Assim, quem não jogasse de acordo com as regras era expulso do time e, se fosse torcedor, não poderia comprar a camisa. Hoje, qualquer um já pode comprá-la pronta ou encomendar a sua, mas, com a UFA, ainda valem as regras antigas. “É uma questão de segurança para os jogadores e torcedores”, afirma Terno.
Além do futebol
A auto-organização para fins diversos, inclusive o lazer, não é novidade em lugar nenhum, e muito menos nas periferias das grandes cidades brasileiras. São testemunhas disso o sem número de grupos musicais de todos os ritmos, os grupos de teatro amador, de dança, as crews, as posses, os núcleos culturais e políticos, as associações de moradores e os muitos e diversos movimentos populares que pululam em quase todos os lugares onde o Estado particularmente deixa suas lacunas.
Os times de várzea, assim como tantos outros movimentos populares, preenchem algumas desta lacunas, alimentando, em milhões de meninos, o sonho de ser um grande atleta e funcionando, na prática, como uma verdadeira escola onde se pode aprender e treinar as habilidades necessárias para “correr atrás” dos seus sonhos, além de funcionar como válvula de escape para pais de família que preferem protagonizar o jogo, ainda que como torcida, ao invés de apenas figurar como (tele)expectador.
Por fim, embora, na maioria dos casos os times de várzea careçam de formação e objetivos políticos transformadores, eles oferecem algum paliativo neste horizonte com pouca notícia da revolução.
O Favela, por exemplo, além do futebol rap e samba que compõem o seu lema, tem a pretensão de ser um agente e um espaço de valorização da periferia e de suas manifestações culturais. Assim, além do futebol e da confraternização (com rap, samba, cerveja e refrigerante) semanal, o time promove ainda excursões (que promovem o lazer e, de quebra, ainda reforçam o caixa do time), mantém uma bateria que, em breve, deverá se tornar bloco carnavalesco, e o Favela promove ainda, em determinadas épocas do ano, bailes de rua onde podem se apresentar os músicos do bairro.
Perguntado se o Favela vai se tornar grife, Terno responde que sim, que este é um desejo que está no horizonte do time, assim como pretendem conquistar um patrocinador que não queira mudar o caráter do clube. Mas essas coisas, segundo ele, não são o principal. O principal já está acontecendo. O time se mantém em campo. A favela está na área.
Fonte: www.malocapraquetequero.blogspot.com
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